|

10.12.04

Es la economaquía, Dummkopf!

Poucos notaram o sorriso de soslaio no rosto do boliviano e futuro economista Tupac Athaualpa de la Cruz (1916-1996) quando o intelectual alemão Mortiz Schlick (1882-1936) caiu morto com um tiro no peito, desferido por um ex-aluno insatisfeito com as considerações do pai do positivismo lógico a respeito de um ensaio que escrevera. Pudera.

Naquele corpo de menino indígena, viver e estudar na cidade onde se reunia a nata da intelligentzia européia não era uma benesse. Era uma ofensa para a qual só havia refúgio nos livros que escrevia e ficaram no fundo de suas gavetas até serem descobertos há seis anos, pela ex-amante de seu filho Evo.

Tupac não foi um gênio reconhecido em vida, tendo ele passado a maior parte de seus dias como um obscuro bibliotecário em Graz, em terras austríacas. Logo aos 22 anos, aquele que seria anos mais tarde considerado o principal nome da economia boliviana foi arrancado do bairro mais rico de Cochabamba e mandado à Europa, por não aceitar as ordens de seu pai, homem averso à idéia de ter um filho revolucionário.

Os problemas vinham desde os 15 anos do rapaz, que já defendia uma concepção econômica que o acompanhou até a morte: a economaquia, derivada da titanomaquia da mitologia grega.

Para o pensador, a economia mundial deveria ser baseada em fortes choques, de capitalismo, de estatismo, de confiança e de dúvida sucessivamente, com vista de se atender ao máximo de interesses o possível, em uma intrincada cadeia lógica hegeliana. A depressão de 1930 e a incipiência do pensamento keynesiano só reforçaram as crenças do rapaz, que ria dos pobres norte-americanos se acotovelando em filas de pão.

Para ele, aquele estado de coisas só apresentava uma via para a salvação: "Es la economaquía, estupido!", costumava dizer naquele que era seu principal chavão, segundo sua biografia não-autorizada "Os Passos do Terceiro Tupac", do jornalista Matheus Pichonelli.

Tupac pensava ser de melhor aplicação em alguns momentos o sistema friedmaniano, de robotização dos índices que regem os agentes econômicos. A sua genialidade e ponderação, no entanto, depois rumavam às idéias de Espinoza, segundo quem a economia deve ser sempre subordinada à política, a maior das artes - pregava a centralização do poder e a limitação do raio de ação dos agentes populares.

Então tornava-se bolivariano. Depois liberal. Mais tarde, anarquista. E tudo com coerência impar, fruto de sua imensa capacidade de rever conceitos e ajustá-los a uma realidade cada vez menos perene e mais intangível. Tupac não aceitava ser refém da obscuridade, mesmo em uma Áustria que sempre lhe foi alheia. Tinha luz própria e desdenhava dos "dummkopfen" que o ignoravam.

Quando Schlick foi morto, o descendente incaico, cujo nome é uma homenagem ao maior herói daquele povo, não mostrou nada do seu poder de insuflar e arrebatar mentes e corações, como fazia quando era líder estudantil e sindical em sua terra natal - época de sua vida ainda pouco clara, dada a falta de documentos históricos do Departamento Nacional de Movimentos Populares, localizado em Sucre. Sabe-se apenas que Tupac se sentia prostrado a utilizar sua oratória em alemão e mesmo em redigir no idioma teutônico, apesar de dominá-lo, bem como fazia com o quíchua e o papiamento.

Foi então que veio o Anschluss e a economaquia Tupac começou a se refinar. Pouco passava a sobrar do menino que aos 12 anos via seus vizinhos ingerindo pálidas folhas de coca, enquanto seus pais o incentivavam a fumar o refinado rapé. Tupac já era feito homem e exibiria seus dotes intelectuais de forma inequívoca assim que o Terceiro Reich se instalou na outrora bela Viena. (continua)