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17.1.05

A onda da revolução

O ano de 1968 não foi particularmente feliz na então dividida capital alemã Berlim. Protestos marcados pelo líder estudantil Rudi Dutschke (1940-1979) sacudiam a cidade.

Organizações inspiradas no marxismo e consolidadas em ações terroristas floresciam ali e em toda a Europa. Barricadas e sangue abundavam em nome de uma revolução popular, liderada por setores da intelligentzia e da universidade. O Velho Continente eclodia em hormônios e em energia.

Ainda que o momento histórico fosse propício a tantas manifestações naquele interminável mês de maio, rondava na Alemanha desde muito antes um homem marcado pela humilhação do pós-guerra. Pela vontade de inovar e trazer novas ondas ao combalido, embora ativo, pensamento de esquerda.

Um homem de muito longe do Portal de Brandemburgo, ávido para rever as idéias de Karl Marx sem se render à coqueluche do maoísmo chinês, que trazia a Revolução Cultural. Um homem que nascera em 1946, na simpática cidade litorânea de Bremerhaven, ao noroeste do país. Seu nome era Andreas Stefan Waldner.

Também conhecido como Surfy Waldy, por seu amor às praias e ao surfe, ele abandonou a engenharia e a poesia para se dedicar a plantar a primeira semente de uma nova forma de luta pela igualdade socialista.

Um dos principais ideólogos teutônicos pós-nazi-fascismo, Waldner não se fez conhecer além das fronteiras alemãs e buscava a confluência do pensamento brianwilsoniano com o ideário marxista. Foi daí que floresceu uma concepção completamente nova de mundo.

Segundo ele, a revolução libertadora, ao contrário do que diziam os socialistas de então, não surgiria nem nas abarrotadas cidades e tampouco entre os famélicos dos campos de todos os países: ela tomaria o poder vinda do litoral.

A lógica de Waldner era simples. Para ele, as cidades costeiras reúnem condições melhores para se chegar ao centro do poder. Utilizando-se de uma intrincada cadeia lógica hegeliana, Surfy afirmava que campo e cidade se contrapõem de forma inexorável e que a síntese dos dois se encontra nas localidades costeiras, de população intermediária e material razoável para uma empreitada exitosa. Uma espécie de revolução das camadas médias, conforme disse ele em palestra aos alunos da Feuerneu, em agosto de 1970.

A idéia de Waldy no campo prático era aproveitar a falta de engajamento das pessoas desses lugares e cooptá-las para a causa, estimulando um sentimento de não-pertencimento às categorias definidas pelo marxistas como lugares de onde uma revolta poderia sair e tomar o poder. Aí se percebe a influência da psicologia social de Erich Fromm no trabalho de Andreas.

A surpresa do pensamento de Waldner arrebatou algumas tribos germânicas no noroeste do país, muitas delas insatisfeitas com os visitantes hamburgueses que lhes consumiam as belas reservas naturais em troca de uns poucos marcos.

Waldner convenceu os locais sobre a necessidade de se organizarem para libertarem suas consciências dos vínculos com os burgueses, para depois estender os ganhos a todo o resto da sociedade, inda mantida cativa do poder econômico.

Um obstáculo, no entanto, se entrepunha. Depois de escrever “A Onda da Libertação”, Waldy foi convidado a iniciar uma guerrilha, como seu líder intelectual. A oratória arrebatadora era garantia de novos adeptos. O que lhe atrapalhava era a narcolepsia.

Aos 22 anos, na tomada da Ilha de Flugel, um território inabitado a dois 2kms de Bremerhaven, Waldner sofreu mais de meia hora no mar após um ataque dessa terrível doença. Decidira cruzar as águas como se fora uma ritual de amadurecimento, como se passasse a ser um homem também de ação a partir dali.

Três enfermeiras o resgataram nas proximidades da ilha. Uma delas se tornaria sua esposa por 15 anos, até Waldner não mais voltar de um ataque de sua terrível e fragilizadora condição.

Fato é que aquele dia de natação marcou o primeiro passo de Waldner à organização de uma Intifada Litorânea, como gostava de chamar seu movimento.

Seria esse o título de sua segunda obra, publicada em 1971, na qual o pensamento marxista se confronta com o álbum Pet Sounds, do grupo norte-americano Beach Boys. Marx e Wilson continuavam a ser as maiores referências do surfo-revolucionário. (continua)